terça-feira, 29 de dezembro de 2009

ALGUMA MEMÓRIA (2)

“A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade.”
Manuel Bandeira

À medida que os filhos foram se casando, vô Emílio foi construindo casas em seu enorme terreno, onde se instalavam as novas famílias. Depois de um tempo, essas casas foram sendo alugadas e mesmo vendidas para outras pessoas. E, numa dessas subdivisões do terreno, veio morar a família dos meus outros avós, os pais de meu pai. Naturalmente, meu pai deve ter intermediado a venda.
Este outro ramo de minha família veio do interior do Estado, mais precisamente de Glorinha, que naquele tempo fazia parte do município de Santo Antônio da Patrulha. Meu avô Osório Gonçalves dos Santos, gauchão alto e magro, era casado com minha avó Dinah, conhecida como Picucha devido a sua pequena estatura. Meu pai – Francisco Soares Gonçalves - costumava mencionar às vezes um seu avô apelidado de Chico Diabo, possivelmente uma referência a façanhas revolucionárias típicas dos velhos tempos. Sabendo-se que no final da Guerra do Paraguai, em 1870, o ditador Solano Lopes foi morto por um ordenança chamado Chico Diabo, fica a dúvida se meu bisavô teve alguma coisa a ver com aquilo ou não. Por sua vez, meu pai lembrava-se de que, aos quinze anos de idade, na Revolução de 23, teve de esgueirar-se por baixo de cercas de arame farpado, a mando de seu pai, a fim de levar certa mensagem secreta para um chefe revolucionário. Seu nome, Francisco, advém desse avô, além do fato de ter nascido numa fazenda em São Francisco de Paula, uma região montanhosa próxima a Gramado. Além de um sobrinho com o nome de Francisco, também sou Ênio Francisco. E o santo de minha admiração - devido a sua maravilhosa biografia e ao extraordinário filme de Roberto Rosselini (“Francisco, o Arauto de Deus”) – é São Francisco de Assis.
Os Soares, Santos e Gonçalves tinham, pelo menos até a minha infância, as características pessoais típicas de determinado tipo de gaúcho, herdadas de seus antepassados, os paulistas de Sorocaba que colonizaram o Rio Grande do Sul no século 18. Tal situação é muito bem descrita por Érico Veríssimo em “O Continente”, a primeira parte de sua obra-prima “O Tempo e o Vento”. Para melhor cuidar de suas tropas de burros, cavalos e rebanhos de gado, os paulistas, que inicialmente iam e vinham em direção ao sul, começaram a se fixar no pampa gaúcho, deixando alguém da família de vigia o tempo integral. Isso porque castelhanos da Banda Oriental do Uruguai invadiam o Rio Grande a fim de roubar gado. Em seu isolamento, na função de vigiar seu rebanho, esse tipo de gaúcho – que se opõe àquele outro, o falastrão contador de proezas – tornou-se extremamente introvertido e desconfiado. Qualquer sujeito desconhecido que chegasse perto de sua estância era motivo de desconfiança: podia ser ladrão de gado. Fundamental era derrubar árvores: atrás delas ou em sua sombra poderia estar se escondendo o inimigo. Não sem razão - na minha adolescência, quando eu costumava chegar tarde da noite em casa - meu pai cortou uma grande árvore que jogava sombra na calçada da rua e no quintal. Teve de se haver com um fiscal da Prefeitura!
Então o menino Lolinha – meu pai era conhecido na intimidade como Lola – nasceu e se criou no campo na companhia de mais dez irmãos. Parece que levavam uma vida bastante ociosa, não se dedicando muito a plantar ou criar gado. Tive tal impressão pelos relatos da família e ao visitar a fazenda duas vezes quando menino. Tudo era muito primitivo e abandonado; o chão da casa era de terra batida, e a roupa era lavada numa pequena sanga, de onde também se recolhia a água para consumo.
À beira dessa sanga assisti a uma cena inesquecível: minha mãe e tia Maria estavam lavando roupa, quando meu primo Cláudio, de dois ou três anos, caiu de um barranco dentro d’água e desapareceu das nossas vistas; ao vir à tona pela segunda vez, minha mãe o catou pelos cabelos e o trouxe para a margem são e salvo.
Imagino que talvez a fazenda tenha entrado em decadência, tal como acontece na dramaturgia de Jorge de Andrade (“O Telescópio”, “A Moratória”, “Rasto Atrás”), que trata desse tema em razão da Crise de 29 no interior paulista. O fato é que, ao se tornarem adultos, meu pai e todos os seus irmãos acabaram se mudando para Porto Alegre em busca de melhor situação. Por último, meus avós também abandonaram a estância e vieram se juntar aos filhos, que agora eram obrigados a trabalhar arduamente para sobreviverem.
As distâncias eram longas. Pra se ter uma idéia, uma vez que meu avô veio de Glorinha a Porto Alegre levou um dia inteiro por caminhos tortuosos no lombo de um cavalo. Somente no início da década de 30, por obra do interventor Flores da Cunha, é que a estrada foi pavimentada com concreto. E ficou conhecida pelo nome de "Faixa". Hoje fazemos essa mesma viagem em meia hora de carro pela “Free Way”.
Depois que outros irmãos vieram para a cidade grande, meu pai também botou o pé na estrada. Veio morar com uma irmã mais velha, casada com um italiano – o tio Canova - e residindo no Passo d’Areia, bairro situado ao lado de São João. O primeiro emprego que arranjou foi o de ajudante de caminhão, depois virou motorista e, finalmente, feliz proprietário do fantástico Chevrolet Gigante da minha mais tenra infância.
Em setembro de 1935, houve uma grande festa campal em Porto Alegre, no Parque da Redenção – hoje Parque Farroupilha – em comemoração ao primeiro centenário da Revolução Farroupilha. Nesta festa meus pais se conheceram. Formavam um belo casal, como se pode ver na foto oficial do casamento: ele muito elegante com seu cabelo preto e liso, ela lourinha como sua mãe.
Minha avó Picucha, depois que se mudou para a Capital, nunca mais quis sair de dentro de casa, raramente chegava até o portão do quintal. Sempre que eu passava na rua pra ir ao colégio, lá estava ela, curiosa e assustada, espiando o mundo detrás de sua janela. Permaneceu reclusa, ouvindo rádio ou jogando víspora com as filhas por uns trinta anos, até sua morte.
Uma única vez saiu de casa. Por ocasião do Golpe Militar de 64, apavorada com a ameaça de bombardeio a Porto Alegre, ela pediu que um filho a levasse de carro para Taquara, município próximo à fazenda de Glorinha, onde se homiziou junto a umas primas que não via desde muito tempo. Lembrava seu tempo de menina, no isolamento da fazenda, quando as histórias de degola – a chamada “gravata vermelha” - corriam soltas nas revoluções gaúchas. Ela tinha vivenciado a terrível Revolução Federalista de 1893, em que, das dez mil vítimas, mais de mil foram degoladas a sangue frio, segundo o historiador Carlos Reverbel.
Em 64, meu avô Osório já tinha morrido fazia tempo. Lembro-me dele rezando o terço antes de ir dormir. Da casa do meu outro avô, que ficava no terreno ao lado, revejo sua cabeça branca passar pela janela alta de sua cozinha, indo e vindo, pra lá e pra cá, enquanto recita ave-marias e padre-nossos.
No dia em que ele morreu e foi velado na sala, meu outro avô, tomando chimarrão na calçada ao lado, vangloriava-se por ainda estar cheio de saúde. Era dia 31 de dezembro, e tal data deprimia tanto meu pai que, daí em diante, nunca mais quis comemorar a entrada do ano novo, recolhendo-se bem cedo à cama.
Outra cena dolorosa que ainda tenho viva diante dos olhos refere-se à morte de uma prima ainda menina. Chamava-se Regina e foi a primeira filha de tia Maria e tio Antônio, irmão de meu pai.
Naquele tempo o enterro era feito a pé, cobrindo-se a distância de uns três quilômetros até o Cemitério São João Batista, com os homens acompanhantes revezando-se na condução do féretro. Crianças conduziam o caixão da criança morta.
Na hora do enterro, quando o caixão foi sendo levado para fora da casa de Vô Osório, tio Antônio foi o último acompanhante do cortejo. Ainda vejo meu tio – que era muito parecido com o ator Cary Grant – parado no vão da porta, desgrenhado, pés descalços, camisa aberta, olhando o caixãozinho branco da filha afastar-se. Ele não consegue andar, desaba no degrau da escada, segura a cabeça enlouquecida com as duas mãos e urra de dor. Nem no cinema assisti até hoje cena tão trágica.
(continua na próxima semana)

sábado, 12 de dezembro de 2009

ALGUMA MEMÓRIA (1)

No belo filme argentino “O Mesmo Amor, a Mesma Chuva”, de Juan José Campanella, um escritor frustrado (interpretado por Ricardo Darin) resolve publicar um livro autobiográfico. Discutindo a obra com um amigo jornalista, logo surge o conhecido aforismo: “Pinte tua aldeia e serás universal.” Replica o amigo: “Tudo bem, mas você não precisava pintar a tua aldeia com merda.”
Espero, nestas minhas memórias, não estar fazendo a mesma coisa

*

Minha primeira lembrança, aí pelos dois anos de idade, é um barquinho – na verdade, um toquinho maciço de madeira em que fora esculpido um barquinho, pintado de vermelho e amarelo, possivelmente confeccionado por meu avô Emílio, pai de minha mãe, que era marceneiro. Vejo-me de pé na escada da cozinha de minha casa manobrando com um barbante o tal barquinho, que bóia no quintal graças uma das muitas enchentes que seguidamente inundavam nosso bairro na década de quarenta.
Esta cena acontece em um terreno de meu avô, que ocupava mais ou menos meio quarteirão da Rua Vilela Tavares, entre as ruas Souza Reis e Augusto Severo, bairro de São João, em Porto Alegre. Naquele espaço tive a sorte de viver toda a minha primeira infância, convivendo com meus quatro avós e mais uns trinta parentes - pais, irmãos, tios e primos –, território esse que hoje se me afigura pleno de magia.
Vô Emílio tinha nascido em 1893 em um vilarejo às margens do rio dos Sinos, filho de um professor de escola primária, que na minha imaginação delirante bem poderia ter sido o louco dramaturgo Corpo Santo, que andou por aquela região dando aula. Ainda adolescente meu avô emigrou para Porto Alegre em busca de trabalho. Logo conseguiu emprego como açougueiro e foi nessa condição que conheceu minha avó. Típico brasileiro, de sobrenome Silva, acabou se casando com a lourinha alemã, de uma família de imigrantes alemães, os Buhl.
Imagino que meus avós tenham se conhecido no açougue, ele cortando carne, ela comprando os melhores filés para uma rica família de alemães da Avenida Independência, a rua mais chique da cidade, onde ela, ainda menina, trabalhava como empregada doméstica. O fato é que acabaram se casando, ele com dezenove anos de idade, ela com dezessete. Naquele momento ele já tinha mudado de emprego, era marceneiro em um estaleiro do Rio Guaíba, enquanto ela foi ser dona de casa para poder cuidar da penca de filhos que foi nascendo. E já estavam morando na casa que ele construíra com suas próprias mãos no enorme terreno da minha infância, naquele tempo uma região quase deserta, sujeita às cheias do Guaíba e às águas de chuva que desciam dos altos da Rua Benjamin Constant.
Assim é que, pelos cinquenta anos seguintes, a grande preocupação de meu avô foi aterrar sua propriedade. Com carrinho de mão, carroça puxada por burro ou caminhão de carga, ele obsessivamente carregou terra ou entulho que lhe eram doados com o objetivo de deter as inundações que se sucediam na época das chuvas. Somente na década de sessenta, quando a rua foi calçada e a região urbanizada, foi que ele pode descansar da sua labuta. Lembro-me de meu pai, que tinha um caminhão Chevrolet Gigante, trazendo entulho de alguma obra. E, à medida que o quintal ia sendo aterrado, as casas de madeira iam sendo erguidas através de macacos manuais, pedras e troncos de árvore. Eu assistia aquela operação, que envolvia diversos homens da família, com grande curiosidade.
Certa vez, vi uma cobra de mais ou menos meio metro esgueirando-se para debaixo de uma casa que estava rente ao chão. Alertei meu avô, que, munido de um alicate, desapareceu da minha vista arrastando-se pelo espaço exíguo em que a cobra se enfiara. Depois de um minuto aflitivo, ele reapareceu com a cobra presa na ponta do alicate. Que avô corajoso!
Não conheci ninguém que acreditasse tanto na importância do trabalho como meu avô. Getulista, depois de ter sido um integralista seduzido pelo nacionalismo de Plínio Salgado, ele costumava dizer com muito orgulho que, em sua juventude, tinha trabalhado dezessete horas por dia no estaleiro, antes das leis trabalhistas criadas por Getúlio Vargas.
Conta-se que em sua fase integralista, meu avô convenceu toda a família, inclusive os genros, a usar camisa verde, tendo oferecido sua casa para reuniões políticas com Alberto Pasqualini e Plínio Salgado. Sobraram dessa época alguns bancos compridos que ele construiu para as tais reuniões que congregavam os integralistas do bairro. Quando Getúlio ameaçou com prisão qualquer manifestação integralista, as bandeiras e as camisas verdes foram imediatamente enterradas no fundo do quintal. Isso não o impediu de se tornar um ardoroso getulista. Nacionalista exaltado, sempre hasteava na frente da casa uma enorme bandeira brasileira durante a Semana da Pátria. Pregava a derrubada das florestas e a construção de estradas para o progresso do país.
Agora vô Emílio estava trabalhando por conta própria, construindo e reformando casas de madeira, as suas e as da vizinhança. Algumas vezes, durante as férias escolares, cheguei ajudá-lo a destelhar algumas casas. Como não recebia pagamento e ainda era repreendido por quebrar algumas telhas, deixei de ajudá-lo, apoiado por meu pai que temia que eu, aos doze ou treze anos, recebesse alguma telhada na cabeça.
Nos fundos da casa onde morava, meu avô mantinha a sua oficina, com uma comprida e sólida bancada de madeira e toda a sorte de ferramentas de marcenaria: torno, serras e serrotes, martelos, formões, alicates, prumos, furadeiras, plainas, enxós, lixadeiras, pé-de-cabra, pás, enxadas, chaves-de-fenda, pregos e parafusos - objetos encantados que eu, moleque, gostava de fuçar, para desespero do velho que não gostava que mexessem nos seus pertences. Mas ficava satisfeito quando alguém profetizava que, devido ao meu interesse, quando eu crescesse iria ser marceneiro como ele.
Ao final de um dia de trabalho, enquanto minha avó regava as plantas, flores e árvores de fruta, meu avô trazia uma cadeira para a calçada, onde ficava tomando chimarrão e puxando conversa com todos os vizinhos que passassem pela rua. Gostava de prosear contando histórias que tinha vivido, algumas verdadeiras, outras inventadas por sua rica imaginação – como a narrativa de ter comandado um batalhão de soldados alemães em combate na Primeira Grande Guerra, ele que nunca tinha ido além do rio dos Sinos, a quarenta quilômetros de Porto Alegre. Outra aventura que ele, já senil, gostava de contar é que tinha conhecido dentro de um ônibus um radialista da Rádio Gaúcha que o levara até a emissora, onde ficara no ar durante um tempão recitando as suas trovas.
Minha avó, cujo nome era Elizabeth, chamada de Alice devido à sonoridade próxima do nome alemão, não era menos trabalhadeira que o marido. Teve oito filhos, sendo que um morreu ainda bebê e outro, Valter, aos dezessete anos, vítima de uma tuberculose provocada, como diziam, por uma bolada nas costas quando jogava futebol. Pra mim, durante a minha infância, ele foi um personagem mítico porque era sempre lembrada na família a minha semelhança física com ele, fato comprovado pelas fotografias que conheço dele. Da mesma forma, examinando a fotografia de casamento de meu bisavô Joseph Buhl, ainda na Alemanha, percebo agora a nossa espantosa semelhança física. Esse bisavô teve um fim trágico: funcionário de uma fábrica de cerveja de Porto Alegre, gostava de beber no trabalho e nas horas de folga; por causa disso, morreu afogado ao cair de um pontilhão durante uma enchente.
A penúltima vez que vi minha avó, eu já morando no Rio de Janeiro, ela com mais de setenta anos, encontrei-a no topo de uma escada de pedreiro caiando com uma broxa uma casa que iria alugar. Dois ou três anos depois, voltei a encontrá-la em seu leito de morte: tinha sofrido uma queda e quebrara a bacia.
Vó Alice vivia em função da família, cuidando dos filhos e netos, aplicando injeções, cataplasmas e clisteres, ajudando nos partos e na preparação dos velórios, o nascimento e a morte dentro de casa, naquela época.
Eu era o seu neto mais velho. Recordo sempre que ela me levava pela mão quando ia fazer compras; entrava no armazém e fazia com que o vendeiro deixasse eu escolher as balas de figurinha, com a foto de jogadores de futebol ou artistas de cinema, que faltavam na minha coleção. E por todo o caminho ela ia parando para conversar com as pessoas conhecidas, às vezes em alemão, um dialeto bárbaro que sempre escutei com encanto apesar de não entender absolutamente nada. Guardo até hoje comigo, como herança, uma coleção de cartas e cartões postais que ninguém consegue decifrar completamente, enviados pelos familiares que ficaram na Alemanha, em que está incluído um outro ramo da família, os Adam. Essa correspondência foi interrompida no começo da Segunda Guerra Mundial.
Meu avô, talvez por ciúme machista, não gostava que minha avó ficasse batendo perna pela rua. Certa vez, ao chegar em casa no final da tarde, encontrou a porta trancada à chave. Não teve dúvidas: pegou um machado e arrebentou a porta. Logo depois, quando minha avó chegou, partiu pra cima dela com uma daquelas navalhas antigas de fazer barba. Vejo a imagem assustadora de meu pai impedindo a agressão, segurando ao alto os punhos de meu avô, a navalha nua brilhando em sua mão direita. Outra vez comentou-se que ele tinha espancado brutalmente o burro que resolvera empacar. A explicação para tais acessos de raiva era a de que ele tinha sido mordido por cachorro louco quando era menino.
Mas o parente que me parece o personagem mais desequilibrado na minha infância foi o tio França – ou Franz, como era chamado pelo lado alemão da família. Irmão de minha avó, costumava aparecer somente à tarde para fazer um lanche e escapar à vista de meu avô, que não o suportava por não trabalhar. Andava sempre de terno, todo amarrotado e puído. Morava sozinho numa casa que herdara da família no bairro dos Navegantes e tinha o hábito de recolher tudo quanto era quinquilharia que encontrasse na rua: jornais velhos, latas usadas, garrafas vazias, móveis e máquinas quebradas. Como não tinha fonte de renda, cortou a luz elétrica e vivia à luz de velas. Depois de anos, a casa e o quintal estavam superlotados de lixo, ratos e baratas.

Fui algumas vezes a sua casa acompanhando minha tia mais jovem, a tia Luci, que seguidamente o procurava para saber de seu futuro. Sim, tio França tinha o dom de ler a sorte nas cartas do baralho. Minha mãe, muito católica, achava que era pecado consultar as cartas, mas mesmo assim certa vez me atrevi a verificar o meu destino: eu iria sair de Porto Alegre e iria trabalhar para grandes empresas, segundo as palavras de meu tio-avô vidente.

(continua na próxima semana)