quinta-feira, 4 de março de 2010

HOPALONGO

“Andar, companheiros, levar por aí afora,
Para os sumidouros do vácuo sem fundo,
Os cacos e entulhos da fábrica mundo.”

Goethe, em “Fausto”



Era uma cidade vazia, um bairro desconhecido. E caia uma garoa fria de antigamente. As ruas de terra tinham virado um lamaçal cinzento que me sujava os sapatos e a barra das calças. Por isso eu caminhava com dificuldade tentando voltar para a casa em que estava hospedado. Além do mais, anoitecia e foi me dando um desespero por não encontrar o meu destino. O fato é que não sei como e nem porque tinha chegado até ali.
Debaixo de um telheiro avistei dois rapazes que conversavam enquanto fumavam o mesmo cigarro.
“Por favor, onde fica a rua tal?”, perguntei vencendo o meu desconforto.
Riram na minha cara. Depois um deles explicou:
“Você pega a primeira rua à direita, depois a segunda à esquerda...”
“Não”, interrompeu o outro, “pega a terceira à esquerda. É essa!”
Agradeci a informação e segui em frente, tendo a impressão de que eles ficaram rindo às minhas costas. Certamente eles se divertiam com o meu estado lastimável ou com a informação errada que tinham me dado.
Em todo caso, como imaginei que eles estivessem me observando, fosse ou não fosse gozação, dobrei a primeira rua à direita. Acabei encontrando um velho apoiado atrás de uma cerca de madeira. Debaixo de um guarda-chuva, ele parecia observar com olhos de coruja assustada o movimento da rua que era nenhum.
“Por favor, o senhor sabe onde fica a rua tal?”, perguntei.
“Eu não sei de nada”, respondeu o velho, “mas, se o senhor dobrar a próxima rua à direita, vai encontrar uma casa com um hopalongo na frente. Peça informação nessa casa. Ali reside o morador mais antigo do bairro, um velho mais velho do que eu, e ele sabe de tudo.”
“O senhor disse o quê? Um hopalongo?”
“Isso mesmo, um hopalongo!”, repetiu o velho, afastando-se depressa. Na porta do casebre, ele conseguiu fechar o guarda-chuva que quase lhe fugia das mãos engolfado pelo vento.
Fiquei ali parado debaixo da garoa, mais sozinho do que nunca O que seria um hopalongo? Alguma espécie de varanda na frente da casa? Algum modelo de automóvel? Um balanço de corda pendurado numa árvore? Alguma raça de cachorro vigilante? Um certo tipo de muro? Uma cerca viva? Que diabo seria um hopalongo? Aquela palavra me soava familiar, mas significando o quê?
Foi então que me lembrei de Hopalong Cassidy, o herói dos antigos faroestes da minha infância, a quem a molecada, inclusive eu, chamava de “Hopalongue Casside”. Por certo, não seria ele que eu iria encontrar nessa minha caminhada.
Enfim, não encontrei nada que pudesse ser um hopalongo e acabei me perdendo dentro da noite que me envolveu rapidamente.

Um comentário:

  1. Muito legal! Hopalongo me lembra um velho que, na minha adolescência passava toda tarde pela bandas da V. Buarque gritando: "Ôpaliopá! Ôpaliopá!" Até hoje não sei o que ele vendia, ou pedia, sei lá... (rsrsrs)

    ResponderExcluir